Qual é o Texto Correto para I João 5:6-8?
Nesta ocasião dispomos de três diferentes traduções da Bíblia, conhecidas como confiáveis: João Ferreira de Almeida, Edição Revista e Atualizada no Brasil, da Sociedade Bíblica do Brasil, publicada no ano de 1969; João Ferreira de Almeida, Revista e Corrigida (Com referências e algumas variantes), da Sociedade Bíblica do Brasil, publicada no ano de 1995 (que é diferente da anterior); e a Bíblia de Jerusalém, Nova edição, revista, da Editora Paulus, publicada no ano de 2000.
A última, embora sendo uma Bíblia editada pela Igreja Católica, contendo todos os livros deuterocanônicos, que não são reconhecidos pelo mundo cristão não-católico, bem como anotações e referências explicativas que orientam o leitor pela fé católica, é considerada como uma das melhores traduções da Bíblia para a língua portuguesa, por conservar a fiel semelhança com os escritos originais, de acordo, inclusive, com teólogos com doutorado no assunto.
Considerando então estas três fontes bíblicas, analisemos I João, cap. 5, versos 6-8, que assim dizem:
1) Bíblia de Jerusalém: “Este é o que veio pela água e pelo sangue: Jesus Cristo, não com a água somente, mas com a água e o sangue. E é o Espírito que testemunha, porque o Espírito é a verdade.” (v. 6) “Porque três são os que testemunham:” (v. 7) “o Espírito, a Água e o Sangue, e os três tendem ao mesmo fim.” (v. 8).
Interessante é notar que logo após o término do verso 7, existe nesta versão uma citação transcrita no rodapé da página que diz: “O texto dos vv. 7-8 está escrito na Vulgata de um inciso (aqui abaixo entre parênteses) ausente dos antigos manuscritos gregos, das antigas versões e dos melhores manuscritos da Vulgata, o qual parece ser uma glosa marginal introduzida posteriormente no texto: “Porque há três que testemunham (no céu: o Pai, o Verbo e o Espírito Santo, e esses três são um só; e há três que testemunham na terra: o Espírito, a água e o sangue, e esses três são um só”. ”
Não estamos aqui tecendo comentários acerca do que está escrito, apenas citando, uma versão das escrituras que embora católica é considerada respeitosamente nos meios teológicos.
2) Após transcrever esta versão, citamos a Almeida, Edição Revista e atualizada no Brasil, de 1969, que diz: “Este é aquele que veio por meio de água e sangue, Jesus Cristo; não somente com água, mas com a água e com o sangue. E o Espírito é o que dá testemunho, porque o Espírito é a verdade.” (v. 6)
“Pois há três que dão testemunho [no céu: o Pai, a Palavra, e o Espírito Santo; e estes três são um.” (v. 7) “E três são os que testificam na terra] : o Espírito, a água e o sangue, e os três são unânimes num só propósito”.(v. 8).
Notemos que nesta versão João Ferreira de Almeida introduz no final do verso 7 e início do verso 8, ENTRE COLCHETES [ ] exatamente o que a Bíblia de Jerusalém faz referência em seu comentário. Almeida simplesmente coloca ENTRE COLCHETES [ ], nesta versão, deixando claro que trata-se de um acréscimo, não oriundo dos escritos originais.
3) Porém, na Edição Revista e Corrigida do mesmo autor, edição de 1995, há uma mudança no texto e a supressão dos COLCHETES [ ], assim: “Este é aquele que veio por água e sangue, isto é, Jesus Cristo; não só por água, mas por água e por sangue. E o Espírito é o que testifica, porque o Espírito é a verdade.” (v. 6) “Porque três são os que testificam no céu: o Pai, a Palavra e o Espírito Santo; e estes três são um.” (v. 7) “E estes três são os que testificam na terra: o Espírito, e a água, e o sangue; e estes três concordam num.” (v. 8)
Curiosamente em muitas edições católicas da Bíblia existem diferenças de traduções que são favoráveis para a doutrina católica, como, por exemplo, Apocalipse 1:10 (em Bíblias Católicas, está escrita a palavra “Domingo”, quando nas não-católicas está escrito “dia do Senhor”. A Bíblia de Jerusalém é uma das poucas (que eu tenha conhecimento a única) versões católicas que tem escrito em tal versículo “dia do Senhor” ao invés de “Domingo”, trazendo, repita-se, credibilidade a mais para esta versão.
Assim, seria de interesse católico que o acréscimo feito na Bíblia Almeida fosse também acrescentado em uma Bíblia Católica, pois tal trecho supostamente acrescentado na Almeida corrobora em uma das principais doutrinas católicas, que é a existência da Trindade! Porém, isto não ocorre na versão de Jerusalém.
Explicação da Sociedade Bíblica do Brasil:
Qual o motivo por que algumas palavras de 1 João 5.7-8 aparecem entre colchetes na tradução de Almeida Revista e Atualizada?
Sobre esta questão, precisamos compreender o significado dos colchetes na RA. Isto aprendemos ao ler no artigo "Explicação de Formas Gráficas Especiais, Títulos, Referências e Notas", adendo ao "Prefácio à 2a. Edição": algumas passagens do Novo Testamento aparecem entre colchetes. Estas passagens não se encontram no texto grego adotado pela Comissão Revisora, mas haviam sido incluídas por Almeida com base no texto grego disponível na época (Mt 6.13).
Almeida traduziu a Bíblia para a Língua Portuguesa no século XVII. O Novo Testamento em português ficou pronto em 1681. Almeida traduziu-o a partir de um texto grego denominado Textus Receptus ("o texto recebido"), que fora compilado pelo famoso humanista holandês Erasmo de Roterdã no início do século XVI. A tradução de Almeida a partir dos manuscritos que ele possuía em sua época cristalizou-se na chamada Edição Revista e Corrigida (RC), publicada pela Sociedade Bíblica do Brasil e adotada por inúmeras denominações evangélicas em países de fala portuguesa, destacando-se Portugal e Brasil. A RC espelha bem o teor do Textus Receptus utilizado por Almeida.
Quando a tradução de Almeida já estava concluída, Deus permitiu que arqueólogos, historiadores e teólogos verificassem um considerável avanço no achado, recuperação e decifração de manuscritos bíblicos, alguns dos quais indisponíveis a Almeida na época em que traduziu a Bíblia. A Edição Revista e Atualizada (RA)surgiu em 1956 em decorrência dessas novas descobertas, quando a Comissão Revisora da Sociedade Bíblica do Brasil achou por bem confrontar o texto de Almeida com os novos manuscritos encontrados. A RA passou por uma segunda revisão em 1993, afinando ainda mais o texto bíblico aos textos originais em hebraico, aramaico e grego, pelo que é uma das mais amadas e adotadas traduções da Bíblia Sagrada no Brasil e no exterior.
Dito isto, fica um pouco mais simples compreender a diferença de tratamento dado àquelas palavras de 1João 5.7-8 na RC e na RA. Na primeira - que corresponde à tradução mais antiga de Almeida - as palavras "no céu: o Pai, a Palavra e o Espírito Santo; e estes três são um. E três são os que testificam na terra" constavam do texto original grego utilizado pelo tradutor. Já na RA, confrontando-se a tradução de Almeida com os manuscritos encontrados (mais antigo e, portanto, mais próximos do tempo em que João escreveu sua primeira carta) e desde que as referidas palavras não contradizem nem ofendem a mensagem bíblica da salvação em Cristo Jesus, estas palavras foram colocadas entre colchetes. Com isto, a RA respeitou o trabalho valioso de João Ferreira de Almeida, sem, contudo, ter aberto mão da fidelidade ao melhor texto original grego a que se tem acesso nos dias atuais.
(Nas traduções desenvolvidas pela própria Comissão de Tradução da Sociedade Bíblica do Brasil, todavia, como é o caso da Bíblia na Linguagem de Hoje, as palavras questionadas de 1 Jo 5.7-9 foram eliminadas por completo do texto bíblico).
Por fim, acerca da procedência da palavras questionadas de 1 Jo 5.7-8, convém mencionar a opinião do Dr. Bruce Metzger, uma das maiores autoridades atuais sobre os manuscritos gregos do Novo Testamento, que coopera com as Sociedades Bíblicas Unidas, a fraternidade da qual a Sociedade Bíblica do Brasil faz parte. Conforme o Dr. Metzger, todos os manuscritos gregos mais antigos do Novo Testamento (datados dos séculos II e III) omitem as palavras "no céu: o Pai, a Palavra e o Espírito Santo; e estes três são um. E três são os que testificam na terra" em 1 Jo 5.7-8. Estas palavras só começaram a aparecer em comentários e sermões sobre o texto de 1 João no final do século IV e, muito posteriormente, em um manuscrito latino do século XIII.
Segundo o Dr. Metzger, as palavras aqui em questão podem ter sido o comentário que um copista (pessoa encarregada de copiar a Bíblia na Idade Média) fez na margem do pergaminho em que trabalhava; um copista posterior, ao tomar o manuscrito mencionado como texto base para sua cópia, incorporou o comentário marginal do seu outro colega ao texto bíblico, erro que mais recentemente foi descoberto sem grandes dificuldades pela comparação dos manuscritos mais recentes com os mais antigos.
p/ Comissão de Tradução Sociedade Bíblica do Brasil (traducao@sbb.org.br).
Fonte: https://www.adventistas-bereanos.com.br/sbb.htm